DIREITOS E DEVERES – ADVOGADO ANDRÉ SQUIZZATO
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#001 – 18/11/2024
6X1
Nos últimos dias o assunto que dominou as redes sociais foi o “fim da 6×1” fazendo referência ao Projeto de Emenda Constitucional (PEC) apresentado pela Deputada Federal Erika Hilton (PSOL/SP) que busca alterar o inciso XIII do art. 7º da Constituição para reduzir a jornada de trabalho, sem redução da remuneração dos trabalhadores. A proposta busca estabelecer uma jornada de trabalho de 4×3, ou seja, quatro dias de trabalho seguidos por três dias de descanso.
Os direitos trabalhistas sempre geraram debates intensos, principalmente devido ao seu impacto social e econômico. Para compreender esses debates, é necessário considerar o contexto histórico das relações de trabalho no Brasil. Após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil – o último país ocidental a abolir formalmente o trabalho escravo – passou a contar com um significativo contingente de mão de obra disponível. No entanto, essa transição não foi acompanhada por uma legislação que regulamentava as relações de trabalho, o que resultou em um ambiente laboral marcado pela ausência de direitos básicos. Sem uma regulamentação adequada, as condições de trabalho eram extremamente precárias, com jornadas de trabalho que variavam de 12 a 16 horas diárias, frequentemente em total desrespeito à dignidade dos trabalhadores.
Em 1932 houve a fixação de uma jornada de trabalho em 8 horas diárias, com um limite máximo de 48 horas semanais, representando um marco importante nas condições de trabalho no Brasil. No entanto, apesar de tal regulação, o modelo ainda apresenta limitações específicas em termos de qualidade de vida para os trabalhadores. A questão da jornada de trabalho foi novamente levantada durante os debates da Constituinte de 1988, quando foi proposta a redução da carga semanal para 40 horas. No entanto, a proposta apresentou grande resistência por parte dos setores econômicos e empresarial, resultando na fixação da jornada de 44 horas semanais, vigente até hoje.
A discussão sobre a jornada de trabalho configura-se como um tema de grande relevância, não apenas no contexto brasileiro, mas também em todo o sistema capitalista global. Em 1920, o empresário norte-americano Henry Ford implementou em sua empresa, a Ford Motor Company, uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas ao longo de 5 dias úteis, com 2 dias de descanso. Posteriormente, em 1930, o economista britânico John Maynard Keynes, em suas reflexões sobre a redução da jornada de trabalho, previu que, devido aos avanços tecnológicos, a carga horária semanal seria reduzida para 15 horas.
Recentemente, o Reino Unido divulgou os resultados preliminares de um estudo sobre uma jornada de trabalho reduzida, com os dados de 41 empresas que participaram de uma pesquisa. Destas, 35 indicaram que é “provável” ou “muito provável” que mantenham uma semana de trabalho mínima após o término do experimento. Em Portugal, o governo sinalizou a possibilidade de implementar, já no próximo ano, uma jornada de trabalho de 4 dias. Na Alemanha, um experimento iniciado no início de 2024 para avaliar a previsão da semana de trabalho de 4 dias revelou que 73% das 45 empresas participantes optaram por não retornar ao modelo tradicional alemão de 5 dias, destacando resultados positivos em termos de produtividade e bem-estar dos trabalhadores.
No Brasil, através do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), o tema apresentou uma possibilidade de arrefecer a intensa e ainda presente polarização política que vivemos. Políticos de diferentes correntes ideológicas da Deputada autora da PEC (PSOL/SP), demonstram estarem abertos ao diálogo. Recentemente o Senador Cleitinho Azevedo (Republicano/MG), divulgou em suas redes sociais apoio a redução da jornada, fazendo um relato pessoal sobre a ausência do seu pai devido a extensa carga horária do trabalho. O Deputado Fernando Rodolfo (PL/PE) e outros deputados de partidos como Republicano, PP, União Brasil, assinaram a PEC.
A relevância da redução da jornada de trabalho é inquestionável, especialmente diante do impacto crescente das doenças ocupacionais na classe trabalhadora. Entre as condições mais prevalentes, destacam-se os transtornos mentais, como a síndrome de Burnout, que registrou aumentos expressivos nas últimas décadas. Em contrapartida, a ampliação do tempo de descanso proporcionaria aos trabalhadores a oportunidade de passarem mais tempo com suas famílias, o que poderia resultar no aumento do consumo de bens, especialmente aqueles destinados ao lazer, estimulando a economia. Podemos aplicar a mesma lógica da implementação do 13º em 1962, que gerou tanto receio do setor patronal e hoje é uma realidade muito produtiva para economia.
Como podemos notar, o tema é de extrema relevância e o avanço da PEC é colocar o assunto no centro do debate político, assim como em outros países, para poder encontrar caminhos viáveis, já que a preocupação e receio do empregador, principalmente o pequeno e médio, é legítima. Por isso, os diálogos devem avançar na busca de uma melhor qualidade de vida do trabalhador, concedendo segurança jurídica ao empregador. Deve buscar meios de transição que assegurem aos empregadores, mesmo que de forma temporária, uma contrapartida para poderem se adaptar a essa nova realidade das relações, que como podemos notar, é uma tendência mundial.
André Squizzato de Oliveira – Mestre em História Social pela UFJF/MG, Advogado e Professor de Direito.