SALOMÃO CURI: MUNDO E UBÁ – CONEXÕES EM FOCO

Licenciado e Bacharel em Geografia pela UFJF Mestre em Geografia pela UFV

**Esse conteúdo não é pago.
O Jornal Ubaense Online não se responsabiliza pelo conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços divulgados nesta publicação. Os comentários expressos não refletem necessariamente a opinião do jornal, sendo de total responsabilidade dos autores das mensagens. O Jornal Ubaense Online se reserva o direito de excluir comentários que contenham insultos, ameaças ou ainda xingamentos, injúrias e agressões aos jornalistas e terceiros.

_______

#008 – 21/11/2025

Violência urbana: realidade de muitos e um desafio de todos.

A violência urbana consolidou-se como um dos impasses mais persistentes e complexos que o Brasil terá de enfrentar nos próximos anos. Trata-se de um fenômeno que atravessa a rotina de grande parte da população brasileira e repercute de forma direta na economia, na saúde pública e na qualidade de vida. Enfrentá-lo demanda não apenas maturidade institucional, mas também leitura cuidadosa do que estabelece a própria Constituição. O texto constitucional é explícito ao afirmar que a segurança pública constitui dever do Estado e responsabilidade compartilhada pela sociedade. Isso significa que não estamos diante de um problema restrito ao policiamento ou à repressão, mas de um compromisso coletivo no qual governos, instituições e cidadãos exercem papéis complementares e interdependentes.

À medida que o país se aproxima do ciclo eleitoral de 2026, torna-se cada vez mais evidente que a segurança pública ocupará posição central no debate político. Em meio ao avanço das organizações criminosas, à consolidação de áreas sob domínio do tráfico e à persistência de índices elevados de criminalidade, ganharão relevância os candidatos capazes de propor medidas articuladas, viáveis e compatíveis com a cooperação entre os entes federativos. O eleitorado, mais crítico e atento, tende a valorizar lideranças que consigam transformar diagnósticos em políticas concretas.

Nesse cenário, o federalismo brasileiro assume importância estratégica. O arranjo constitucional que distribui responsabilidades entre União, estados e municípios exige coordenação contínua e rotinas de cooperação. Cabe à União a liderança em inteligência, controle de fronteiras, financiamento e articulação nacional; aos estados, a condução das forças policiais (pelo menos até o desmantelamento em curso da polícia militar) e da estrutura prisional; aos municípios, políticas de prevenção, adequação da infraestrutura e assistência social. Quando esses elementos funcionam de maneira isolada, pouco se avança. Mas, quando atuam de forma integrada, com definições claras de atribuições, os resultados tornam-se palpáveis.

Ocorre que esse processo tem sido reiteradamente prejudicado pela polarização política e pela transformação de temas sensíveis em meras narrativas ideologizadas. Em vez de soluções, produzem-se impasses. A segurança pública, no entanto, não pode ser sequestrada por disputas ideológicas nem reduzida a instrumento de confronto eleitoral. A consequência desse ambiente conflagrado é conhecida: menor eficiência institucional e distanciamento de qualquer perspectiva de superação da violência. Nesse contexto, a contribuição de instituições não governamentais adquire relevância significativa no processo. O enfraquecimento dos vínculos comunitários e a ampliação da vulnerabilidade social nas cidades evidenciam que Estado e sociedade civil precisam agir de forma complementar. Igrejas, associações e organizações sociais têm desempenhado papel decisivo na reconstrução de vínculos e na intervenção direta em territórios fragilizados. O caso da Cracolândia, em São Paulo, é emblemático: sucessivas gestões não lograram êxito de forma isolada.

Em contrapartida, grupos religiosos e comunitários têm conseguido alcançar populações vulneráveis, oferecendo acolhimento e tratamento onde o poder público enfrenta limitações. A realidade de Ubá, polo industrial da Zona da Mata Mineira, ilustra como cidades de porte médio passam a vivenciar dinâmicas semelhantes às dos grandes centros urbanos. O crescimento econômico e demográfico, acompanhado por novas formas de ocupação e circulação, traz consigo desafios inéditos, que se refletem no aumento de tensões e vulnerabilidades. A violência, nesse contexto, emerge como reflexo da ausência de políticas permanentes e integradas.

É nesse ponto que eventos culturais e religiosos revelam seu potencial estratégico, embora muitas vezes subestimados. No último fim de semana, Ubá recebeu o PHN, iniciativa da Renovação Carismática Católica voltada especialmente ao público jovem, no Horto Florestal. Da mesma forma, o Dia do Evangélico, celebrado em 20 de novembro na Praça Guido Marlière, ressignificou um local historicamente associado à presença constante de usuários de drogas. Essas ações não apenas ocupam o território; elas o redefinem.

Todavia, convém enfatizar: iniciativas pontuais não são suficientes. Transformações duradouras dependem de políticas contínuas, nas quais poder público, instituições religiosas, organizações sociais e setor privado atuem de modo articulado. Somente uma rede estruturada será capaz de reduzir vulnerabilidades, ampliar oportunidades e oferecer respostas efetivas à população.

A violência urbana permanece como desafio imenso, mas não insuperável. Seu enfrentamento requer coragem política, cooperação entre instituições e participação ativa da sociedade. E passa, também, por experiências locais — como a de Ubá — que começam a compreender que a segurança passa pela força e também pela presença: presença do Estado, da comunidade e da esperança.

Salomão Júnior Curi
_______

#007 – 14/11/2025
Entre o Calor Global e o Frio dos Interesses: Reflexões da COP30 para Ubá e para o Mundo.

A realização da COP30, em Belém do Pará, entre 10 e 21 de novembro, tem potencial para se tornar um marco na história das negociações climáticas. Trata-se da primeira vez que a conferência das Nações Unidas ocorre no coração da Amazônia que é um território que sintetiza, simultaneamente, riqueza biológica, vulnerabilidade ambiental e disputas geopolíticas. O encontro reúne lideranças políticas, pesquisadores, movimentos sociais e representantes do setor produtivo, todos convocados a discutir novas metas de redução de emissões e a urgência de uma transição energética compatível com a preservação do planeta.

Entretanto, por trás das declarações oficiais e dos compromissos anunciados, reaparece um enredo conhecido: o constante tensionamento entre evidências científicas, agendas políticas e interesses econômicos.

Há, por um lado, ampla concordância científica quanto ao papel humano no aquecimento global — impulsionado sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, pelo desmatamento e pela expansão urbana. Por outro, persiste o debate sobre a proporção exata dessa influência diante dos ciclos naturais de variação climática que já marcaram a história da Terra. Parte da comunidade científica chama atenção para a necessidade de distinguir impactos antrópicos de dinâmicas naturais, lembrando que tais nuances são essenciais para a formulação de políticas públicas sólidas.

Essas diferenças de interpretação, legítimas no campo da pesquisa, tornam-se mais sensíveis quando atravessadas por interesses nacionais. Países desenvolvidos, grandes emissores históricos, pressionam nações em desenvolvimento a adotarem metas mais rigorosas — ainda que muitas dessas economias dependam de atividades intensivas em energia e recursos naturais. Estados Unidos, União Europeia e China, responsáveis pela maior fatia das emissões globais, seguem ditando o ritmo das negociações, enquanto o Sul Global busca conciliar crescimento econômico e responsabilidade ambiental. Para diversos países mais pobres, a transição energética permanece um ideal distante.

É justamente nesse contexto que o debate global precisa ser traduzido para a escala local — inclusive para municípios como Ubá, na Zona da Mata mineira. Reconhecida como o terceiro polo moveleiro do país, a cidade evidencia como desenvolvimento econômico e preservação ambiental nem sempre se alinham de maneira automática. O setor moveleiro sustenta milhares de empregos e fortalece a economia regional, mas também impõe desafios significativos, relacionados ao uso de matéria-prima, às emissões industriais, à destinação de resíduos e à pressão sobre os recursos naturais.

O objetivo, contudo, não é antagonizar indústria e sustentabilidade, muito pelo contrário, mas compreender que um desenvolvimento duradouro exige práticas responsáveis. Ubá, com seu dinamismo produtivo, tem condições reais de se tornar referência ao investir em inovação, tecnologias limpas e gestão ambiental estratégica conseguindo assim, transformar desafios em caminhos de fortalecimento econômico.

Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer que o debate climático não se encerra em narrativas homogêneas nem pode ignorar realidades sociais e econômicas distintas. A proteção ambiental, concebida como direito constitucional e como base para a qualidade de vida, depende menos de acordos internacionais e mais da capacidade de cada território em planejar e executar ações coerentes com suas necessidades e limites.

O futuro do planeta e de Ubá passa necessariamente pela construção de modelos sustentáveis. Isso implica considerar o consenso científico, mas também suas divergências; defender o meio ambiente sem desconsiderar desigualdades; e transformar compromissos globais em políticas públicas de impacto local.

A COP30 poderá ser lembrada como o momento em que o mundo optou por agir ou como mais uma conferência paralisada por disputas econômicas. Em Ubá, o dilema é semelhante: encontrar um caminho que concilie desenvolvimento com responsabilidade ambiental. Afinal, a preservação do planeta começa ou se perde no local onde vivemos cotidianamente.

Salomão Júnior Curi


#006 – 07/11/2025
O Protagonismo de Ubá: Desenvolvimento, Indústria e Cooperação Regional em Minas Gerais.

A ascensão de Ubá, município situado no coração da Zona da Mata mineira, tem se destacado nas últimas décadas como um exemplo de desenvolvimento regional e fortalecimento econômico. Este artigo, baseado nas análises apresentadas na minha dissertação de mestrado sobre a formação da rede urbana de Ubá, busca sintetizar os principais elementos que explicam o papel de protagonismo que a cidade vem assumindo em Minas Gerais e no cenário nacional.

O crescimento de Ubá é resultado direto de uma combinação de fatores históricos, econômicos e sociais que, juntos, moldaram uma cidade com forte capacidade de articulação regional. A sua localização estratégica, somada à consolidação de um parque industrial sólido — especialmente o setor moveleiro —, transformou o município em um verdadeiro polo de desenvolvimento. Hoje, Ubá é reconhecida como o principal centro produtor de móveis de Minas Gerais e o terceiro maior do Brasil, segundo o Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Mobiliário de Ubá (Intersind), o que reforça sua importância não apenas na economia local, mas também na nacional.

A influência de Ubá, porém, vai além da indústria. O município se tornou um centro de convergência para cidades vizinhas, oferecendo serviços nas áreas de saúde, educação, finanças e comércio. Essa rede de trocas e interdependências consolidou o que se pode chamar de uma “cidade-núcleo”, capaz de irradiar oportunidades para toda a região. O Arranjo Produtivo Local (APL) da indústria moveleira é um dos exemplos mais claros dessa articulação, reunindo diversas cidades que compartilham infraestrutura, mão de obra e conhecimento técnico, criando um ambiente de cooperação e crescimento conjunto.

Na área de serviços, Ubá tem se destacado pela presença de instituições financeiras, pela oferta de ensino superior — também na modalidade a distância — e pela qualidade dos serviços de saúde. Dados da REGIC (IBGE, 2018) mostram que a cidade possui alto poder de atração para atendimentos de baixa e média complexidade, além de sediar o Consórcio Intermunicipal de Saúde (SIMSAUDE), responsável por atender mais de vinte municípios. Essa rede amplia a relevância de Ubá como referência regional e reforça sua capacidade de atender demandas que ultrapassam suas próprias fronteiras.
De acordo com a classificação do IBGE, Ubá é considerada um Centro Sub-regional A, categoria que reconhece sua importância no comando e na articulação de fluxos econômicos dentro da região intermediária de Juiz de Fora.

A cidade atrai consumidores e investidores, fortalecendo o comércio e a prestação de serviços locais, e mantém indicadores que demonstram sua capacidade de reter parte significativa do consumo regional. Ainda assim, enfrenta o desafio natural de competir com centros maiores, como Juiz de Fora, especialmente em serviços de maior complexidade e em setores mais especializados.

O potencial de Ubá, contudo, aponta para horizontes mais amplos. A força do setor moveleiro, aliada à inovação e à capacidade de adaptação das empresas locais, coloca o município em posição privilegiada para dialogar com mercados estaduais e nacionais. A crescente integração às cadeias produtivas, somada ao fortalecimento da infraestrutura urbana e à diversidade de serviços oferecidos, indica que Ubá caminha para consolidar-se como um polo multifuncional e estratégico dentro do território mineiro.

Mas o avanço desse protagonismo depende de um conjunto de esforços coordenados. Melhorias na infraestrutura de transporte e logística — como a modernização das vias de acesso e o fortalecimento das conexões aéreas e rodoviárias — são fundamentais para ampliar a competitividade local. Além disso, é essencial investir na qualificação profissional, na diversificação econômica e na ampliação dos serviços públicos de saúde e educação, de forma a atender a uma população cada vez mais integrada e exigente.

Ubá é hoje um exemplo de cidade em transformação, cuja centralidade não é estática, mas fruto de uma construção coletiva. O futuro do município dependerá da capacidade de manter o diálogo e a cooperação entre os diferentes atores que o compõem. O protagonismo regional e o fortalecimento das redes econômicas e sociais só serão sustentáveis com a união entre governo, sociedade e setor produtivo — uma parceria essencial para garantir que o desenvolvimento de Ubá continue sendo um projeto de todos e para todos.

Salomão Júnior Curi


#005 – 31/10/2025
A guerra que o Brasil insiste em não vencer

Na manhã de 28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro despertou sob o som de tiros, helicópteros e sirenes. Durante horas, bairros inteiros se tornaram palcos de confronto. Ao final do dia, o saldo era desolador: 64 mortos, entre eles quatro policiais. A operação contra o Comando Vermelho, que pretendia reafirmar a autoridade do Estado, acabou por expor o oposto — um país fragmentado, aprisionado em uma guerra que parece não ter fim.

As imagens daquele dia circularam pelo mundo e, em cada uma delas, ecoava uma mesma mensagem: perdemos o controle. O problema não reside apenas nas armas do crime, nas carências das favelas ou nas decisões das autoridades, mas sobretudo no modelo de políticas públicas que o Brasil insiste em manter há décadas — um modelo que privilegia a repressão, enquanto negligencia a construção de um projeto de futuro para as comunidades marcadas pela violência.

A violência no Rio de Janeiro pode parecer distante quando observada pela televisão, mas está mais próxima do que imaginamos, inclusive de cidades médias como Ubá, seja pela proximidade geográfica, seja pela semelhança dos desafios enfrentados. O padrão de insegurança que domina as grandes capitais também se manifesta em municípios do interior, exigindo reflexão e, sobretudo, ação. Embora a segurança pública seja uma atribuição do Estado, os municípios têm papel essencial na promoção de uma cultura de paz, especialmente por meio da educação — o instrumento mais poderoso de transformação social. Planejar a cidade que desejamos para o presente e o futuro implica compreender que prevenir a violência começa pela formação de cidadãos conscientes, críticos e solidários.

É fácil atribuir a culpa à operação. O difícil é reconhecer que o fracasso é coletivo — um fracasso das três esferas de poder. A União se mantém distante, os Estados se isolam em estruturas envelhecidas, e os Municípios tentam conter crises com orçamentos insuficientes até para as demandas básicas. A cooperação federativa, que deveria orientar um plano nacional de prevenção à violência, ainda se limita a respostas emergenciais e fragmentadas.

Enquanto isso, o país paga um preço altíssimo pela própria omissão. Cada morte violenta custa, em média, um milhão de reais aos cofres públicos — valor que inclui gastos hospitalares, pensões, investigações e processos judiciais. E essa é apenas a face visível do problema. Em 2023, foram registrados mais de 46 mil homicídios, o que representa um impacto superior a R$ 46 bilhões. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o custo total da violência urbana corresponde a cerca de 11% do PIB nacional — mais de R$ 1 trilhão anuais —, comprometendo recursos do presente e corroendo as perspectivas de futuro.

Apesar disso, ainda há espaço para a reconstrução, e o caminho passa necessariamente pela educação. O Programa Pé de Meia, do governo federal, simboliza o tipo de investimento transformador que o país precisa ampliar. Com um orçamento anual entre R$ 12 e R$ 13 bilhões, o programa busca garantir a permanência de adolescentes e jovens na escola. Imagine-se, contudo, se esse valor fosse triplicado: poderíamos multiplicar oportunidades, incentivar o esforço e estimular trajetórias de superação.

Um benefício mensal equivalente a meio salário mínimo pode parecer modesto, mas, para famílias que vivem em meio à incerteza, representa dignidade. É a diferença entre escolher o caderno ou a arma, o trabalho ou o tráfico, o sonho ou o medo. Essa deveria ser a verdadeira política de segurança pública do século XXI — oferecer alternativas reais ao crime, não pela força, mas pela oportunidade.

Cada estudante que conclui sua formação representa uma vitória dupla para o país: reduz os custos da violência e amplia as chances de desenvolvimento. Trata-se de uma lição simples, frequentemente esquecida — investir na vida é mais econômico, mais justo e infinitamente mais eficaz do que financiar a morte.

A operação de outubro expôs, de forma incontestável, a ausência de um projeto nacional de segurança. No entanto, também revelou que o Brasil ainda pode escolher um caminho diferente. Entre o estrondo das balas e o silêncio das salas de aula, há uma via possível — a da cooperação entre governos, da inteligência política e, sobretudo, da coragem de investir onde realmente importa: nos jovens que ainda acreditam que a educação pode mudar o próprio destino.

Salomão Júnior Curi


#004 – 22/10/2025
As “Verdades” das Redes Sociais: A voz de quem não tinha ou a voz quem já não quer ouvir?

A internet transformou a forma como o ser humano se comunica, se informa e se posiciona diante do mundo. Se, por um lado, ela democratizou o acesso à informação e deu voz a grupos historicamente silenciados, por outro, abriu espaço para um fenômeno preocupante: a ascensão das “verdades das redes sociais” — narrativas fabricadas, repetidas e amplificadas até parecerem reais. Surge, então, uma pergunta que merece reflexão: a internet deu voz a quem não tinha, ou a quem deixou de ouvir?

Não se trata de menosprezar quem faz das redes um instrumento legítimo de expressão e cidadania. Ao contrário: nunca foi tão importante que todos possam falar, participar e questionar. O problema está em como e para quê se usa essa voz. A multiplicidade de opiniões é saudável — mas quando a emoção suplanta a razão, e o grito ocupa o lugar do diálogo, o que deveria ser uma ágora de ideias se transforma num campo de batalha de certezas absolutas.

O poder das redes está em sua aparente horizontalidade. Todos podem falar, opinar, denunciar. No entanto, essa mesma liberdade trouxe um efeito colateral grave: a substituição do conhecimento pela opinião, do fato pela crença, e da reflexão pela emoção. O algoritmo, invisível e silencioso, tornou-se o novo editor da realidade. Ele não se importa com a verdade — apenas com o engajamento. Quanto mais intensa a reação, maior o alcance. E é assim que discursos inflamados, polarizados e, muitas vezes, desinformados, ganham protagonismo.

Nesse ambiente, o patriotismo — sentimento legítimo de amor à pátria — foi sequestrado por narrativas políticas que o transformaram em instrumento de manipulação. Ser “patriota” passou a ser, para alguns, uma bandeira de confronto, e não de união. O amor ao país virou justificativa para o ódio ao outro, para a negação da diversidade e para o desprezo à democracia.
O mesmo ocorre com temas sensíveis como o antissemitismo, que reaparece travestido de “opinião política” ou “crítica geopolítica”, revelando como a desinformação e o discurso de ódio encontram terreno fértil na ausência de filtros éticos e factuais.

As contradições, que antes passavam despercebidas, agora ganham holofotes nas redes — mas, em vez de gerar reflexão, alimentam o cinismo coletivo. Como compreender que o Brasil se apresente como defensor das causas ambientais e, ao mesmo tempo, avance sobre a exploração de petróleo na margem equatorial? Ou que os Estados Unidos, símbolo do liberalismo, adotem práticas cada vez mais protecionistas, enquanto a China, historicamente centralizadora, se apresenta ao mundo como defensora da livre concorrência? A era digital escancara essas contradições, mas as transforma em combustível para narrativas convenientes. Cada grupo seleciona o recorte que melhor serve à sua causa — e a verdade, fragmentada, deixa de existir.

A cultura digital ocupa, portanto, um papel central na crise da verdade. Vivemos um tempo em que apelos emocionais vencem os fatos objetivos, e onde o debate racional é sufocado pelo barulho da indignação permanente. O diálogo, que deveria ser um espaço de escuta e aprendizado mútuo, foi substituído por monólogos de reafirmação. Não há troca — há disputa. E cada bolha digital cria seus próprios “inimigos”, alimentando a sensação de que o mundo se divide entre “nós” e “eles”.

Esse fenômeno, embora global, atinge diretamente nossas comunidades. A polarização política, os conflitos em grupos de mensagens, as discussões acaloradas em redes locais — tudo isso reflete o impacto da desinformação e da radicalização digital no cotidiano. A convivência democrática, tão cara à vida em sociedade, está sendo corroída pela incapacidade de reconhecer o outro como legítimo no diálogo. A internet, que prometia ampliar horizontes, acabou estreitando-os. Criou-se uma ilusão de conhecimento, onde o “compartilhar” substitui o “compreender”, e o “curtir” toma o lugar do “refletir”.

Talvez seja hora de resgatar o verdadeiro sentido da palavra voz. Falar é um ato de liberdade, mas ouvir é um ato de sabedoria. A sociedade precisa reaprender a escutar, a duvidar, a ponderar — porque a verdade não se mede por curtidas, nem se comprova por viralizações. Se a internet deu voz a quem não tinha, é preciso que agora dê espaço a quem pensa, reflete e quer construir pontes. Caso contrário, continuaremos a viver sob o domínio das “verdades” instantâneas — barulhentas, emocionais e perigosamente vazias.

Salomão Júnior Curi


#003 – 15/10/2025

Dia dos Professores: Entre a Voz da Experiência e o Eco das “Verdades”

Ser professor, hoje, vai muito além do ato de ensinar roteiros e fórmulas. É um exercício de formulação acadêmica, de empatia e de reconstrução de sentidos em meio ao ruído de informações e opiniões que moldam o nosso tempo. Vivemos numa era em que a informação está ao alcance de todos, disponível em uma tela, a qualquer instante. A internet, com sua imensidão de conteúdos e múltiplas vozes, redesenhou a relação entre quem ensina e quem aprende ressignificado a educação.

Houve um período — não tão distante — em que o professor era o guardião do saber, era ele quem detinha a informação, principalmente através dos livros e periódicos. Cabia a ele transmitir o conhecimento, enquanto o aluno assumia um papel majoritariamente receptivo. A palavra do mestre era lei, e seu valor, indiscutível.

Hoje, essa lógica se inverteu. A informação se multiplicou e se dispersou, tornando-se onipresente. Paradoxalmente, quanto mais acesso as informações temos, mais difícil se torna distinguir o que, de fato, tem valor como construção de saberes. É nesse cenário que o papel do professor se torna ainda mais vital e estratégico na sociedade atual. Se antes ele era a fonte, agora é o mediador — aquele que conduz o estudante no processo de transformar dados em compreensão, informação em conhecimento e conhecimento em sabedoria.

O desafio, entretanto, é imenso. Vivemos tempos atravessados por polarizações e pela influência das redes sociais, que frequentemente impõem “verdades” instantâneas e superficiais. Nesse contexto, o professor precisa ser farol — não para ditar caminhos, mas para ensinar a pensar, questionar e discernir. É ele quem ajuda o aluno a amadurecer intelectualmente, orientando-o a navegar entre o excesso de informações e a carência de sentido.
Infelizmente, essa missão de tamanha complexidade nem sempre é reconhecida. Segundo a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis), da OCDE, apenas 14% dos professores brasileiros sentem-se valorizados pela sociedade — um dos menores índices entre 53 países avaliados.

É um número que fala por si: como confiar aos educadores o futuro das próximas gerações sem lhes conceder o devido respeito e reconhecimento?
A desvalorização docente aparece em múltiplas formas — salários insuficientes, condições de trabalho precárias e jornadas extenuantes que obrigam muitos profissionais a se dividir entre escolas e turnos. Esse esgotamento, inevitavelmente, compromete a qualidade do ensino e o bem-estar de quem, mesmo cansado, continua acreditando no poder transformador da educação.

Outro fenômeno que reflete essa crise é a relação entre escola e família. O que antes era parceria e diálogo, hoje muitas vezes se transforma em confronto e desconfiança — sintomas de uma sociedade fragmentada, em que a escuta cede lugar à disputa e as convicções pessoais se sobrepõem à busca pela verdade. Esse distanciamento não deve ser motivo de ruptura, mas de reflexão: o que perdemos quando deixamos de dialogar?

Valorizar o professor é muito mais do que melhorar salários. É restituir-lhe o prestígio moral e intelectual que o tempo, a desinformação e a intolerância insistem em corroer. É reconhecer que uma educação de qualidade nasce do respeito mútuo e da confiança entre escola, família e sociedade.

Os países que compreenderam essa lógica — como Finlândia, Coreia do Sul e Canadá — transformaram a valorização docente em pilar de desenvolvimento humano e sustentável. Neles, ser professor é motivo de orgulho e agente transformador, e não de sacrifício. Se o Brasil deseja trilhar o mesmo caminho, precisa transformar a valorização dos educadores em prioridade nacional.

Neste Dia dos Professores, mais do que homenagear, é preciso reconhecer: o futuro nasce na sala de aula, e o professor é o seu principal artífice. Em meio ao caos das “verdades” rápidas e voláteis, é ele quem nos ensina a buscar o que realmente liberta — o conhecimento com sentido.

Salomão Júnior Curi


#002 – 07/10/2025

 

Diversificação Econômica: o Caminho para um Futuro Sustentável em Ubá

Ubá consolidou-se como um dos principais polos moveleiros do país. A capacidade da sua indústria, a determinação de seus empreendedores e a competência de sua mão de obra transformaram o município em referência nacional em produtividade e inovação no setor moveleiro. O setor moveleiro é o motor econômico do município que, com orgulho, ostenta o título de “Capital do Móvel” — um reconhecimento coletivo, construído ao longo de décadas de trabalho, visão e perseverança. Esse patrimônio econômico e repleto de simbolismo deve ser preservado, fortalecido e projetado para o futuro.

Contudo, reconhecer o valor do setor moveleiro não exclui a necessidade de ampliar as bases da economia local. A diversificação econômica é essencial para que o município possa enfrentar crises, gerar novas oportunidades e sustentar um crescimento equilibrado. Apoiar-se excessivamente em um único setor torna qualquer economia vulnerável a oscilações externas. Quando há retração no mercado nacional ou internacional, o impacto tende a se refletir com maior intensidade em cidades que não possuem outras frentes produtivas. O resultado é o conhecido “efeito dominó”: a indústria desacelera, o comércio sente os reflexos, os serviços encolhem e as famílias passam a enfrentar dificuldades financeiras.

A pandemia de COVID-19 ilustrou com clareza essa fragilidade. Embora o setor moveleiro tenha experimentado, naquele período, um crescimento atípico — impulsionado pelo confinamento e pelo aumento do trabalho remoto —, esse movimento foi temporário e excepcional. Tomá-lo como parâmetro para o planejamento futuro seria um equívoco.

Diversificar, portanto, não significa reduzir a relevância do setor moveleiro, mas sim fortalecê-lo em uma economia mais ampla e integrada. É nesse contexto que o projeto “Ubá Capital do Móvel – Turismo de Negócios e Compras”, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Ubá em parceria com as Secretarias de Governo e Cultura, Intersind, Adubar, Aciu e Funir, desponta como uma iniciativa estratégica e inovadora.

A proposta visa transformar Ubá em um polo turístico permanente voltado para negócios e compras, ampliando o alcance da indústria moveleira e agregando valor ao território. A criação da “Rota dos Móveis”, aliada a um receptivo turístico qualificado, à valorização da gastronomia e da hotelaria locais, e à realização do Feirão do Móvel de Fábrica — evento âncora posterior à FEMUR — promete movimentar diversos setores da economia, atrair visitantes e consolidar a imagem de Ubá como referência nacional.

Mais do que um projeto de promoção comercial, trata-se de uma estratégia de diversificação econômica. Ao articular indústria, turismo, cultura e serviços, o município cria um ecossistema produtivo mais dinâmico e resiliente, capaz de distribuir renda, gerar empregos e ampliar o desenvolvimento regional. Esse tipo de integração representa o caminho mais sólido para um futuro sustentável — um futuro em que a inovação e a capacidade de adaptação determinarão o sucesso das cidades.

Embora Ubá esteja inserida em uma rede urbana onde centros maiores, como Juiz de Fora, exercem influência predominante, o município possui potencial para redefinir sua posição regional por meio do planejamento e da criatividade. Projetos estruturantes, como o “Ubá Capital do Móvel”, demonstram que é possível transformar a vocação industrial em motor de novos negócios e oportunidades.

A diversificação econômica, portanto, é uma escolha estratégica que exige prudência e ousadia: prudência para preservar conquistas históricas e coragem para explorar novos horizontes. Que Ubá siga sendo a “Capital do Móvel” — mas também se afirme como símbolo de empreendedorismo, inovação e desenvolvimento sustentável.

Salomão Júnior Curi


#001–01/10/2025

Dia Internacional do Idoso: expectativa de vida em alta e os desafios para Ubá

No dia 1º de outubro, o mundo celebra o Dia Internacional do Idoso, uma data que nos convida a refletir sobre conquistas e desafios da sociedade diante do aumento da longevidade. Vivemos um tempo em que a expectativa de vida está cada vez maior, com projeção de 76,8 anos para 2025, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), resultado de avanços na saúde, melhorias nas condições de vida e políticas de proteção social.

Esse fenômeno não deve ser visto como um problema, mas como uma conquista da humanidade. Em contrapartida, ele traz consigo novas responsabilidades para governos e a sociedade em geral. É necessário pensar em políticas públicas que garantam não apenas longevidade, mas também qualidade de vida para os idosos, assegurando participação ativa e digna em todos os espaços.

O envelhecimento da população desafia o crescimento econômico, aponta relatório da OCDE divulgado em junho do ano corrente. O estudo mostra que o problema atual já não é a falta de empregos, mas, sim, a escassez de trabalhadores. Tal fato, que persiste mesmo com a desaceleração do crescimento econômico, é um alerta para os desafios futuros, aponta a OCDE. O estudo ressalta que, além da mudança climática e da revolução digital, o envelhecimento populacional é uma megatendência decisiva — mas ainda pouco discutida — que deve estar no centro das políticas públicas.

Em Ubá, a realidade não é diferente. Nossa cidade acompanha a tendência nacional: temos cada vez menos filhos nas famílias, o “filho do meio” praticamente não existe mais e, ao mesmo tempo, cresce de forma significativa o número de pessoas idosas. Essa mudança demográfica apresenta reflexos diretos na economia, no consumo, na previdência e no mundo do trabalho.

Sendo um dos maiores polos moveleiros do Brasil, Ubá enfrenta um dilema particular: a escassez de mão de obra. Segundo o IBGE, quase metade do emprego formal de Ubá encontra-se na indústria moveleira de forma direta, e não nos esqueçamos dos indiretos. Mesmo com os avanços tecnológicos e a automação de processos, a indústria moveleira ainda depende fortemente da qualificação e da dedicação do trabalhador. A redução da população jovem disponível para o mercado de trabalho se torna um gargalo cada vez mais visível.

Exemplo disso foi mencionado durante o Festival de Comida Gigante, realizado no último dia 28 de setembro pela Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, sob a condução da secretária Alessandra Labanca e sua equipe. Na ocasião, o idealizador do evento destacou que, em nenhum outro município, a falta de mão de obra foi tão sentida quanto em Ubá, no que se refere à manutenção do evento.

Assim, ao celebrarmos o Dia Internacional do Idoso, devemos reconhecer que o aumento da expectativa de vida dos ubaenses é um sinal de progresso. Mas, ao mesmo tempo, não podemos ignorar o desafio urgente de equilibrar a longevidade da população com as demandas de um setor industrial pujante como o moveleiro. Planejamento, incentivo à qualificação profissional e políticas públicas voltadas para jovens e idosos serão fundamentais para garantir que Ubá continue crescendo de forma sustentável e inclusiva.

Salomão Júnior Curi